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Notícia publicada em 26/01/2015 às 00:30 | Notícias
Sinais de uma nova enchente preocupa governos de RO e AC
No trecho da Br-364 que passa pelo distrito de jacy-paraná, a água do rio madeira está cada dia mais perto da rodovia.

 

 

Por Emerson Machado 
SGC

 

Na rodovia que vai de Porto Velho a Rio Branco, com acesso a Guajará-Mirim, os sinais de uma nova enchente parecida com a que aconteceu no ano passado tem começado a colocar o Estado de Rondônia em alerta. A BR-364, que segue praticamente às margens do rio Madeira e encontra o rio Abunã próxima ao distrito que leva o mesmo nome, está quase para ser coberta pela água. Em alguns trechos, cerca de apenas dois metros separam a via do alagamento que ameaça tomá-la.

 

Principal ligação entre Porto Velho e Rio Branco, a BR corre o risco de ser coberta de novo pela água – o que faz os moradores da região de Jacy-Paraná e Abunã relembrarem dias de calamidade em 2014. Dona Maria Laíde Gomes recorda bem a tragédia. “Precisamos abandonar tudo no dia 10 de fevereiro de 2014, quando a água simplesmente chegou praticamente sem aviso”, conta. O episódio é trazido à memória com pesar e tristeza. Naquele dia, dona Maria diz que a água estava alta, mas não parecia ameaçar o estabelecimento que comanda ao lado do posto de atendimento da balsa, que leva veículos para o Acre, em Abunã.

 

“Umas três da tarde a água ainda estava distante e eu não fazia ideia do que poderia acontecer. Quando chegou a noite, precisamos sair daqui às pressas já com a água nas canelas”, conta. A falta de aviso da cheia fez dona Maria abandonar tudo para se refugiar na vila que fica próxima. Com relação à orientação sobre o que fazer em caso de uma nova cheia este ano, ela revela que não recebeu nenhuma, de autoridades ou entidades dispostas a ajudar. “O plano do que fazer para sair daqui está nas mãos de Deus”, finaliza.

 

Falta de orientação e informações


A falta de orientação e informações sobre uma possível enchente não é reclamação isolada de dona Maria. A comerciante Eliane Rodrigues, que também comanda um estabelecimento próximo da balsa no sentido Acre, alega que o plano para caso ocorra uma nova enchente é incerto. “Não estamos preparados, então se a água subir de repente como no ano passado o plano é o mesmo: cada um pegar o que conseguir e se abrigar na vila”, conta. As marcas de onde a água chegou nos dois estabelecimentos é visível, mas as lembranças são ainda mais marcantes. Eliane revela que ficou dois meses ilhada em Abunã – já que não tinha condições de voltar a Porto Velho (por conta da água na rodovia).

 

Já para o caminhoneiro Thiago Bruski, que faz o trajeto entre Porto Velho e Rio Branco frequentemente, a preocupação é ainda maior, já que no ano passado os prejuízos da empresa com caminhões danificados pela água nas pistas somaram quase R$ 50 mil – o que seria catastrófico se acontecesse de novo. “Para cumprir os prazos, precisei passar três vezes por dentro da água, o que prejudica o veículo”, conta. Bruski ainda revela que uma nova cheia é realmente esperada. “Mas esperamos o melhor: que não seja igual à do ano passado”, finaliza.

Plano caso aconteça uma nova enchente é incerto, diz a comerciante Eliane Rodrigues

 

 

Moradores temem nova catástrofe


No perímetro urbano do distrito de Abunã o clima estava quente na manhã de sexta-feira, mas a cidade parecia fria. Moradores alegam que muitos se mudaram, temendo uma nova catástrofe. Porém, há aqueles que não devem sair da cidade enquanto não for necessário. Caso de dona Zumira Souza, comerciante. “Eu tenho fé de que este ano a enchente não venha a acontecer, mas não pretendo sair da minha casa a não ser que a água já esteja aqui dentro”, conta. A casa de dona Zumira não foi afetada pela cheia de 2014, estando ela em uma parte alta da rodovia – o que impediu a água de invadir a residência. Neste mesmo pedaço curto de terra seca, ficaram as pessoas refugiadas das águas. Ainda assim, estavam isoladas de tal forma que não podiam ir para o Acre e muito menos a Porto Velho. No único posto de saúde do distrito, Ivanete Ramos da Silva, auxiliar de serviços gerais, conta que muita gente procurou o local durante a cheia. Situado na parte que ficou seca, o posto de saúde serviu como ponto de encontro das pessoas que fugiam da enchente. “Todo mundo] precisou sair, tiveram que vir para o lado de cá, senão a água levava”, lembra Ivanete. Ela ainda reclama que nenhum dado concreto foi comunicado aos moradores do distrito, o que dificulta a elaboração de um planejamento para evacuação de casas.

 

Distrito de Jacy-Paraná coleciona histórias de tristeza e calamidade 


Um dos distritos mais afetados pela enchente histórica do rio Madeira em 2014, Jacy-Paraná coleciona histórias de tristeza e calamidade. Alessandro Nascimento, frentista em um posto na entrada do distrito, conta que ficou cinco meses sem trabalhar por conta da água – que tomou toda a área ao redor do posto. “Alagou tudo, foram mais de 1,20m de água, que permaneceu por três meses aqui e levamos mais dois para limpar e reformar”, conta.

De acordo com Nascimento, quando o rio começou a subir, foi feito uma elevação de terra ao redor do posto para tentar conter a água, mas o esforço de nada adiantou. “Fizemos essa espécie de barreira antes de as águas virem, já prevendo o pior, mas de repente [a água] começou a subir pela rua e alagar tudo”, relembra o frentista.

Posto de saúde do distrito de Ãbuna serviu como ponto de encontro na enchete de 2014

Posto de saúde do distrito de Ãbuna serviu como ponto de encontro na enchente de 2014

 

Enchente provocou desestruturações


Outra história triste é a de Francisca Batista dos Santos, que recebeu a equipe do Diário emocionada com o que contaria em seguida. Dona de um restaurante na entrada do perímetro urbano, ao lado do posto onde Nascimento trabalha, dona Francisca começou com a seguinte frase: “Estamos falidos”. O empreendimento familiar conta com dois salões para refeições. O cuidado nos detalhes da reforma são perceptíveis com a escolha de cores neutras e elegantes – o que deve ter custado uma pequena fortuna para dona Francisca. Segundo a proprietária, desde a enchente, o negócio decaiu de tal forma que se tornou insustentável. A afirmação era evidente: por volta do meio-dia, com o som da panela de pressão no ar, o restaurante estava completamente vazio. “A água e a lama tomaram tudo, sem contar em várias cobras que adentraram aqui e deixaram a tarefa de limpeza quase impossível”, conta dona Francisca.

Ela ainda afirma que não recebeu nenhuma ajuda governamental para reerguer o negócio, que hoje não serve refeições a quase ninguém. “Só posso confiar em Deus, porque eu não posso mais confiar nas palavras dos homens”, finaliza.

 

A queda de frequentadores no restaurante de dona Francisca tem um motivo: falta de população no distrito. É o que alega Rosimar da Silva. Morador de Jacy-Paraná e proprietário de uma loja de roupas, conta sentir que metade da população local se mudou para outros lugares. “Muita gente ficou com medo de viver aqui desde a última enchente, principalmente com o pensamento de que a barragem feita pode estourar e provocar uma inundação ainda maior”, afirma o logista.

O nível do rio Abunã na sexta-feira estava em 20,38m contra 18,71m do mesmo dia de  2014

 

Nível do rio abunã já superou 2014 


De acordo com o coronel Sílvio Luiz Rodrigues da Silva, da Defesa Civil Estadual, o nível do rio Madeira em Abunã é realmente preocupante, já que apresenta uma alta muito superior para a época. “Os níveis para a região [do distrito] estão muito fora do normal, bem acima da média que esperávamos para esse início de ano”, conta o coronel.

Baseado em estudos e pesquisas levantadas pela sargento Luciane Castro Cahu, também da Defesa Civil Estadual, o nível do rio Abunã no dia 19 de janeiro de 2014 era de 18,71m. No mesmo dia, em 2015, o nível apenas às 7h da manhã já superava a marca do ano passado em quase dois metros: 20,38m. Entretanto, há um detalhe ainda mais alarmante em toda a história: “Ano passado foi uma grande cheia, mas a maior já registrada até o dia 19 tinha sido em 1982, ou seja, esta semana já ultrapassou a marca histórica de 1982”, revela o coronel.

 

Segundo o oficial, a água não tem como evaporar até chegar ao rio Madeira, mas não tem registrado aumento significativo no maior rio do Estado. “É estranho o fato de toda esta água ainda não ter sido sentida no rio Madeira, não é um sintoma normal”, especula o coronel. Ele também afirma que o diagnóstico mais preciso de uma provável enchente é baseada no rio Madeira, pois todos os outros rios deságuam no maior braço da margem direita do rio Amazonas.

Os moradores da região de Jacy-Paraná e Abunã relembram os dias de calamidade provocados pela enchete histórica do rio Madeira que bateu o nível de 19,74 m em 2014

Os moradores da região de Jacy-Paraná e Abunã relembram os dias de calamidade provocados pela enchete histórica do rio Madeira que bateu o nível de 19,74 m em 2014

 

DNIT trata de medidas preventivas


O Estado do Acre também tem feito estudos e levantamentos técnicos para agir em situações de emergência. Prova disso é a reunião feita pelo governador Tião Viana com o superintendente regional Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes de RO/AC, Fabiano Cunha na última terça-feira. O encontro tratou de medidas preventivas para uma possível enchente que pudesse prejudicar trechos da BR-364, que liga o Estado acriano ao restante do país. “A discussão não pode ser apenas paliativa, e hoje atuamos nas duas frentes, discutindo também ações a longo prazo, mas que são mais definitivas em relação a BR-364. O Dnit tem sido um grande parceiro nesse trabalho”, disse Tião Viana.

 

Na ocasião, o superintendente ainda alegou estar preparado para lidar com ações de emergência e que está constantemente fazendo levantamentos e estudos nos trechos que podem ser alagados da rodovia. “Diferente do ano passado, já temos de imediato uma empresa à nossa disposição para atuar com um plano de sinalização que irá garantir o direcionamento eficiente de veículos, e outras duas no processo de restauração das rodovias”, disse.

 

Nos últimos três dias, o rio Madeira na altura de Porto Velho tem marcado média de 15m – o que não significa estabilidade. Para lembrar os rondonienses do quanto a natureza pode ser destrutiva, não são somente as lembranças dos afetados pelas águas que entraram para a história. No caminho a Abunã é possível ver até onde a água chegou nos caules das árvores, muito acima da rodovia. A marca forma uma linha contínua a se perder de vista. A memória viva de uma enchente que ninguém consegue esquecer.

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