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Notícia publicada em 25/06/2015 às 15:24 | Ponto & Virgula
O ‘professor’ Caetano dá uma aula sobre crase na internet
Confira o artigo do jornalista de Ji-Paraná Marcos Lock

 

 

Por Marcos Lock

 

O emprego da crase costuma desconcertar, ou irritar muita gente. Foi o que aconteceu com Caetano Veloso que se tornou, por conta deste acento grave da Língua Portuguesa, um dos temas mais comentados nas redes sociais esta semana.

 

Ele decidiu expressar sua indignação ao perceber que havia uma falha na ortografia de uma das postagens do seu perfil oficial na referida rede social. O cantor/compositor considerou o deslize um erro "idiota" e não perdeu a oportunidade, não apenas para corrigir o texto como para dar uma bronca na equipe responsável pelo post. O vídeo de Caetano explicando o uso da crase foi postado na mesma rede social e já foi visualizado mais de 620 mil vezes. Disse o nosso querido artista:

 

"Homenagem a Bituca estava escrito no meu face com 'a' acentuado com crase. Não há crase aí. O 'a' nesse caso é apenas preposição. Bituca não é uma mulher ou uma palavra que você pudesse usar o artigo definido feminino antes", explicou Veloso. "Isso se você costuma usar o artigo, porque nós, baianos, não usamos. Nós dizemos 'a casa de fulana'. Mas mesmo se fosse colocar o artigo, vocês teriam que ter dito 'ao Bituca'. Esta crase é um erro chato. É um erro idiota".

 

Caetano tem razão nesta correção porque “Bituca” refere-se a um homem, uma vez que é o apelido de Milton Nascimento. Sendo assim a frase correta seria “Homenagem ao Bituca”. Como estamos em um contexto onde se manifesta o regionalismo baiano, que dispensa o artigo a em muitas construções, então o trecho deve ser escrito sem crase. Fica só a preposição, como reclamou o nobre baiano, sem acento grave, uma vez que ele só aparece quando contraído como o artigo a.

 

De fato, amigos, a crase tem perturbado a vida de muita gente há anos. E gente importante com opiniões divergentes. O poeta e imortal Ferreira Gullar, por exemplo, é autor da célebre frase: "A crase não foi feita para humilhar ninguém". O espirituoso escritor Moacyr Scliar, quando vivo, discordou desta afirmação em uma deliciosa crônica intitulada "Tropeçando nos acentos", na qual afirmou que a crase foi feita, sim, para humilhar as pessoas. E o humorista Millôr Fernandes, de forma irônica e jocosa foi taxativo: "Ela não existe no Brasil".


O assunto já chegou até a mobilizar o Congresso Nacional, certa vez. Em 2005, o deputado João Herrmann Neto propôs abolir esse acento do português do Brasil por meio do projeto de lei 5.154, pois o considerava "sinal obsoleto, que o povo já fez morrer". Bombardeado, na ocasião, por gramáticos e linguistas que o acusavam de querer exterminar um fato sintático como quem revoga a lei da gravidade, Herrmann Neto logo desistiu do projeto.

 

Bom, afinal para que serve a crase na nossa língua? O acento grave na letra a tem duas aplicações distintas, explica Celso Pedro Luft no hoje clássico Decifrando a Crase (Globo, 2005: 16):

 

1) Serve para sinalizar uma fusão: indica que o a vale por dois (à = a a): "Dilma Rousseff compareceu às CPIs".

 

2) Serve também para evitar a ambiguidade. Observe o exemplo: "Dilma Rousseff depôs à CPI". Sem a crase, a frase hipotética ganha outro significado (“Dilma Roussef depôs a CPI”) e dá a entender que ela destituiu  a comissão parlamentar de inquérito. O sinal de crase, neste caso, elimina a dúvida.

 

Exemplos de casos em que a crase retira a dúvida de sentido de uma frase, lembrados por Luft em sua obra:

 

- “Cheirar a gasolina” (aspirar);  e “Cheirar à gasolina” (feder a);      
                           

-“A moça correu as cortinas” (percorrer);  e “A moça correu às cortinas” (seguiu em direção a);    
 
-“O homem pinta a máquina” (usa pincel nela); e “O homem pinta à máquina” (usa uma máquina para pintar);  
 
                  

-"Ela cheira a rosa." (ela aspira o perfume da rosa); "Ela cheira à rosa" (ela tem o perfume da flor).

 

A falta de clareza, por vezes, ocorre na fala e não tanto na escrita. Exemplos de dúvida fonética, sugeridos por Francisco Platão Savioli, professor e coordenador de gramática e texto do Anglo Vestibulares, em São Paulo: a frase "A noite chegou", quando falada quer dizer à primeira vista que foi a noite que chegou no final da tarde. Mas se colocarmos uma crase, na linguagem escrita quer dizer que alguém chegou ao anoitecer. 

 

Não vamos aqui desfilar o conjunto de regras que orientam o uso da crase. Apenas vamos dar mais estas dicas: 1) Em expressões com palavras femininas há o acento grave de clareza, utilizado por tradição: "às vezes", "à moda de", "à espera", "à medida que", "à custa de", "à prova de" etc.; 2) E também devemos empregá-la quando queremos determinar uma distância: “Ficou à distância de dois metros. Se a frase for “Ele ficou a distância”, não haverá o acento grave. Então, lembre-se: a expressão “ensino a distância” não tem crase. OK?

 

Até a próxima dúvida amigos.

 

Por Marcos Lock (*)

(*) Jornalista profissional e graduando do curso de Licenciatura em

Língua Portuguesa e suas Literaturas, da Universidade Aberta do Brasil/UNIR.

 


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